O consumo de remédios, ervas medicinais e suplementos aumentam ano após ano. Essa constatação é o sinal amarelo para que profissionais da estética fiquem atentos às reações adversas que podem ocorrer pelo uso concomitante de ativos presentes em cosméticos e medicamentos. Sua garantia profissional – e a saúde do cliente – devem vir sempre em primeiro lugar.
Um estudo publicado pelo Journal da American Medical Association concluiu que a prevalência de prescrição de medicamentos nos Estados Unidos aumentos de 51 para 59 por cento em apenas 12 anos. Durante o mesmo período, a porcentagem de pessoas que tomam cinco ou mais medicamentos prescritos quase dobrou: passou de 8 para 15%.
No Brasil, pela simples observação do extraordinário aumento do número de farmácias nos últimos anos, pode-se concluir que o consumo de remédios cresceu na mesma proporção. A ingestão de medicamentos se tornou tão corriqueira que, muitas vezes, as pessoas se esquecem de mencioná-los se não forem questionadas sobre o assunto.
Interação medicamentosa é um evento gerado justamente pela associação entre medicamentos, ou pela combinação entre um medicamento e agentes externos, como alimentos, bebidas e luz solar. A interação pode se manifestar clinicamente com ausência de melhora, com agravamento do problema que você quer tratar e/ou com o surgimento de novas complicações.
Há exemplos clássicos de interação em dermatologia, como o risco aumentado de danos ao DNA quando o ácido retinoico que está aplicado em nossa pele entra em contato com a radiação solar ou o risco aumentado de sonolência e acidentes de trânsito, quando estamos tomando um antialérgico para minimizar uma dermatite e consumimos bebidas alcoólicas.
Por essa razão, os profissionais devem tomar precauções de segurança antes da aplicação de qualquer substância durante os tratamentos. Eles precisam se certificar da medicação usada rotineira ou esporadicamente pelo cliente e suas possíveis interações com a pele.
Reações de sensibilidade, com erupção cutânea, desconforto, vermelhidão, e outras síndromes relacionadas ao consumo de determinados medicamentos podem surgir devido a uma infinidade de influências. Alguns medicamentos podem interferir na capacidade de absorção da pele, diminuir sua eficácia de cicatrização, modificar o pH e a flora e, no caso alguns fármacos, alterar a estrutura da pele.
Sistema imunológico x ação bioquímica
De acordo com cosmetólogos e engenheiros químicos, somos compostos bioquímicos, portanto, vivos e reativos a tudo que entra no nosso corpo. Os medicamentos interferem nos processos orgânicos e a pele, como maior órgão, sofre a interferência direta destes impactos. Ao longo da vida, o sistema imunológico vai sofrendo a desaceleração e nossos mecanismos de defesa ficam mais lentos e susceptíveis à ação bioquímica externa.
A ficha de anamnese deve conter, além de informações gerais sobre a saúde do cliente, os cuidados anteriores e atuais com a pele, histórico de cirurgias, alergias e uso de medicamentos. O profissional de estética deve enfatizar que o questionário visa garantir a segurança e o bem-estar do cliente e precisa ser respondido detalhadamente. As informações têm como objetivo prevenir potenciais reações que podem ser desencadeadas até mesmo em um procedimento simples, devido ao estado de saúde da pessoa ou por algum remédio utilizado por ela. Como a cada visita o cliente pode estar usando novos medicamentos, essa mudança nos fármacos pressupõe possíveis interações com os produtos ou serviços realizados.
A individualidade biológica, o estado de saúde e a idade também desempenham um papel importante na sensibilidade da pele. A reação potencial em combinação com o tratamento pode não provocar qualquer reação em uma pessoa, mas pode causar uma resposta volátil em outro cliente.
De modo geral, alguns medicamentos podem interferir na capacidade de absorção da pele, diminuir a capacidade de cicatrização, modificar o pH e a flora e, no caso de alguns fármacos, alterar a estrutura da pele. Claro que tudo depende da idade, estado de saúde, tipo e dosagem da medicação, além de outras variáveis que envolvem a absorção dos fármacos. A ação do mesmo medicamento e dosagem varia de pessoa para pessoa.
Tudo o que entra na corrente sanguínea interfere na pele, pois ela é irrigada em todas as suas organelas (estruturas presentes nas células). Os fibroblastos, por exemplo, são organelas localizadas na derme que produzem proteínas fundamentais para a pele, como glicosaminoglicanas, colágeno e elastina.
Vale lembrar que as reações e potenciais interações são individuais. O estilo de vida pessoal, que envolve alimentação, hábitos comportamentais e até a qualidade do sono afetam a saúde orgânica. Tudo isso leva a reações diversas de pessoa para pessoa.
Efeitos colaterais
Lucas Portilho, farmacêutico e pesquisador em cosmetologia, ressalta que tanto os medicamentos tópicos quanto os de uso oral podem provocar alterações na estrutura da pele. “Antipsicóticos e antidepressivos podem causar rachaduras na pele e coceira. Antifúngicos, como o itraconazol, já foram descritos como causadores de problemas cutâneos, entre outros.”
O farmacêutico alerta que um tratamento com corticoide, por exemplo, pode influenciar negativamente procedimentos estéticos em que o processo de cicatrização é parte do tratamento. Além disso, as bulas dos corticoides tópicos advertem que, entre os efeitos colaterais do seu uso contínuo, estão estrias e acne.
Mas Portilho também ressalta que nem sempre a culpa é do ativo medicamentoso. “Os veículos ou bases utilizadas nos medicamentos de uso tópico geralmente são compostos por ingredientes antigos e que podem ser agressivos para a pele, como os emulsionantes em grandes quantidades, atuam como sabões na pele.”
Ele explica que, ao contrário dos cosméticos, que utilizam cada vez mais bases dermocompatíveis, os medicamentos continuam com bases de sensorial agressivo que, muitas vezes, alteram a barreira cutânea. “Vários veículos de medicamentos utilizam tensoativos agressivos, que poderiam ser substituídos por algo mais suave para a pele. Contudo, o custo e o tempo para relançar uma forma medicamentosa são muito grandes e nem sempre as indústrias farmacêuticas veem isso como prioridade.”
Muitas vezes, a mesma medicação e dosagem provocam reações e interações diferentes. “O sistema imune de cada pessoa pode responder de forma diferente às substâncias que aplicamos na pele. Convém lembrar a diferença entre ingredientes irritantes e potencialmente alergênicos. Uma substância irritante pode causar irritação em um grande número de pessoas. Já as substâncias de potencial alergênico provocam reações individuais, que variam de acordo com a sensibilidade de cada indivíduo.” Segundo estudos publicados, os medicamentos que mais causam alterações cutâneas são os corticoides. Portilho relaciona no quadro abaixo as reações mais comuns que determinados medicamentos podem provocar na pele.
MEDICAMENTO | CLASSE | EFEITO ADVERSO NA PELE |
Buspirona | Ansiolítico | Erupções cutâneas, urticária e manchas |
Alprazolam | Ansiolítico | Dermatite |
Diazepan | Ansiolítico | Pele seca |
Fluoxetina | Antidepressivo | Perda de cabelo, vasodilatação e urticária |
Paroxetina | Antidepressivo | Sudorese excessiva, erupções cutâneas e fotossensibilidade |
Prednisolona | Corticoide tópico | Ressecamento de pele, eritema, formação de vesículas |
Hidrocortisona | Corticoide tópico | Coceira, ardor, vermelhidão, telangiectasias, estrias e crescimento de pelos |
Drospirenona e etiniltradiol | Contraceptivo oral (anticoncepcional) | Erupção, urticária e eritema |
Etonogestrel | Contraceptivo tópico | Acne, alopecia, aumento do crescimento de pelos e prurido |
O olhar do profissional de estética
Lucas enfatiza a importância do profissional de estética estar informado sobre todos os medicamento de que o paciente faz uso. “Os veículos medicamentosos contêm óleo mineral em quantidade, o que os torna, muitas vezes, comedogênicos. Após realizar um tratamento estético para acne, por exemplo, a pessoa percebe que a pele piorou. Já o tratamento estético de rejuvenescimento não faz efeito se a barreira cutânea estiver sofrendo a influência negativa de um medicamento”, explica.
Segundo o especialista, algumas drogas podem causar pigmentação na pele. “Quando o paciente procura por um esteticista para clarear as manchas, dificilmente vai conseguir um bom resultado se mantiver a medicação. Drogas, como os corticoides tópicos, podem aumentar o crescimento de pelos. Imagine uma paciente que está fazendo uso desse tipo de medicamento e, ao mesmo tempo, resolver realizar um procedimento estético. Ela pode relacionar o aumento do crescimento de pelos ao tratamento, quando, na verdade, o responsável foi o remédio,” exemplifica.
Em resumo: o consumo de medicamentos e, mais importante, a associação de vários fármacos, pode criar variáveis desconhecidas com qualquer produto de cuidados da pele ou serviço, incluindo esfoliação, microdermoabrasão, microcorrente e uso de LED. Mas, de maneira geral, os medicamentos mais fotossenbilizantes são os corticoides, as estatinas, as fórmulas à base de sulfa, os imunodepressivos, os antidepressivos, os anti-histamínicos, o cálcio, o Retin A e o Interferon. Entre as reações mais comuns estão a acne, a urticária, a descamação, o eritema e a erupção purpúrica. Já os antibióticos costumam interferir favoravelmente, uma vez que agem minimizando a contagem de microorganismos nocivos.
Ficou na dúvida? Peça para a cliente consultar um dermatologista e leia atentamente a bula do medicamento. Nesse documento, constam as reações adversas possíveis e outras informações importantes. Consulte, ainda, os fabricantes dos cosméticos e ativos que costuma usar em cabine.
Prevenir, você sabe, é sempre melhor do que remediar.
Fonte: Negócio Estética